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Adolescentes e adultos jovens passaram a usar hormônios masculinos com o objetivo de melhorar a aparência e não para o engajamento em competições atléticas
Quem passou pela puberdade há mais de 20 anos pode comparar os jovens e adolescentes de hoje com os rapazes daquela geração. Os últimos não faziam o tipo atlético, tão comum nos dias de hoje... Tipos atléticos estão em todos os lugares, dentre os nossos parentes, vizinhos e ídolos de TV e cinema. Reparem em seus corpos, em seus músculos e no orgulho deles em relação aos seus atributos. O que vem acontecendo com os meninos, hoje? De onde vêm bíceps, tanquinhos e peitorais bem definidos e depilados?
De uma maneira geral, adolescentes e jovens rapazes não conseguem desenvolver naturalmente músculos tão hipertróficos apenas por meio da realização de atividades físicas. Nos meninos, os hormônios masculinos e o estirão de crescimento é inclusive mais tardio, em relação ao que acontece com os corpos das meninas. E não há hipertrofia muscular sem hormônios masculinos em excesso. “No homem adulto isso pode ocorrer associado após muita musculação, mas até nesses casos, as proporções da musculatura alcançam um limite, porque o tempo de que os homens dispõem para fazer musculação também tem um limite. Assim, quando observamos as proporções corporais dos jovens adultos, chegamos à conclusão de que alguma coisa não fisiológica está acontecendo com eles”, diz a endocrinologista Ellen Simone Paiva, diretora do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional.
O surgimento e a propagação dos esteróides anabólicos
A partir dos anos 50, os atletas conheceram os hormônios masculinos ou esteróides anabólicos ou andrógenos, em linguagem médica. O abuso dessas substâncias se espalhou por todas as modalidades esportivas, principalmente, entre aquelas cujo sucesso depende da força muscular ou da velocidade de recuperação durante os treinamentos. Nos anos 60 e 70, o abuso dos hormônios masculinos ficou restrito ao mundo dos esportes e à sua elite, mas, em 1976, o Comitê Olímpico Internacional proibiu o uso dos esteróides nas olimpíadas.
A história estava apenas começando, pois no final dos anos 70, o fisicoculturismo competitivo ganhou popularidade e conquistou a mídia de massa, encantando os jovens com a possibilidade deles terem aqueles corpos que eles viam nas revistas e na TV. Nos anos 80, o abuso dos andrógenos se propagou no mundo esportivo e nos lares dos jovens ocidentais. “Adolescentes e adultos jovens passaram então a usar hormônios masculinos com o objetivo de melhorar a aparência e não para o engajamento em competições atléticas”, ressalta a endocrinologista.
O reconhecimento público do uso dessas drogas nos esportes data de cerca de 20 anos atrás, quando Ben Johnson perdeu sua medalha de ouro no atletismo, após um exame anti-doping nos Jogos Olímpicos de Seul. Esse fato levou o Congresso dos Estados Unidos a classificar os esteróides como drogas controladas, em 1991. Em 1999, os americanos criaram uma agência mundial de anti-doping, a WADA – World Anti-Doping Agency. “A despeito de todas essas medidas, a droga usada por Ben Johnson, um hormônio masculino usado em medicina veterinária, ficou famosa em todo o mundo. E o abuso desses hormônios se propagou das elites esportivas para as academias, colégios e universidades, seduzindo a garotada, inclusive as meninas”, conta a diretora do Citen.
A internet criou um mercado paralelo que tem distribuído milhares de caixas de esteróides em todo o mundo. Diversas plataformas e serviços de rede mundial oferecem a troca de informações acerca da combinação de drogas, dosagens, efeitos colaterais, além de venderem os produtos. “Com a disseminação promovida pela Internet, tais drogas, anteriormente muito caras e difíceis de serem encontradas, passaram a ser comercializadas a preços competitivos e acessíveis, sendo distribuídas para o mundo todo”, diz a endocrinologista Ellen Simone Paiva. Uma pesquisa no Google, em março de 2007, revelou 47.500 novas citações acerca do tema, um aumento de 400%, em relação à mesma busca realizada em 2002.
O hábito do consumo de esteróides e suas consequências
Outra pesquisa, mais recente, realizada com 500 usuários de hormônios masculinos, nos Estados Unidos, revelou que 78% deles não tinham motivos esportivos para o consumo, 60% usavam doses consideradas muito altas, 99% usavam formulações injetáveis que eles mesmos aplicavam e 13% admitiam práticas de risco, como o reuso de seringas e o compartilhamento de agulhas. Além disso, 25% dos usuários de hormônios masculinos associavam outras drogas aos esteróides, como o hormônio de crescimento, por exemplo.
Um dos primeiros efeitos colaterais do abuso de androgênios é a acne. Esses hormônios levam à hipertrofia das glândulas sebáceas com aumento da secreção sebácea dessas glândulas e a proliferação de bactérias causadoras da acne. “Os suplementos de proteína Whey, usados largamente em academias e fora delas, agravam esse efeito colateral dos hormônios masculinos, pois a proteína do soro do leite, utilizada nesse produto, tem um forte efeito estimulante da insulina e um efeito sinérgico aos andrógenos, causando acne”, explica a endocrinologista.
Ao lado da hipertrofia das glândulas sebáceas, a preocupação com relação ao abuso de andrógenos, principalmente em associações hormonais, é a potencial indução de proliferação celular, envolvendo outras glândulas e órgãos, aumentando a possibilidade do câncer, aterosclerose e infarto. “Não é rara a veiculação através da mídia de casos de jovens atletas que sucumbem diante da toxicidade cardiovascular do hormônio masculino e suas associações milagrosas, com infartos e mortes súbitas mal explicadas, acometendo corpos jovens com corações hipertrofiados como seus bíceps”, alerta a médica.
O uso de suplementos de hormônios masculinos no homem pode levar também à redução da produção de espermatozóides e do volume testicular, aumento da próstata, desenvolvimento de mamas e sinais de feminização. Na mulher ocorre o oposto: aumento dos pelos corporais, suspensão das menstruações, atrofia mamária, calvície, engrossamento da voz e sinais mais graves de masculinização. “Finalmente, chama atenção também entre os usuários de esteróides, várias complicações psiquiátricas, como o abuso de outras drogas ilícitas, transtornos do humor e comportamento agressivo com violência doméstica, além de crimes contra o patrimônio público”, diz a médica.
Atualmente, estamos perto de ver o que aconteceu nesses últimos 20 anos de abuso de hormônios masculinos e suas associações malucas, pois os primeiros usuários ou ex-usuários estão chegando à média idade e sabemos que os efeitos tóxicos desses preparados tem efeitos a longo prazo. “Ainda temos muito o que aprender para que nossos argumentos contra o uso destas drogas sejam mais convincentes para as gerações futuras, que buscam nossos consultórios com o objetivo de alcançarem ‘aquele corpo perfeito’, praticamente ainda na infância”, afirma a endocrinologista Ellen Paiva.
Fonte: Centro Integrado de Terapia Nutriciona - Citen | |